Primeiro, segundo, terceiro degrau. Parou no quarto. E desde o segundo, ele já sabia.
Olhou-a a noite inteira, esperando um encorajamento. Ela passou por ele. Duas vezes. Era a sua deixa. Esperou mais um pouco até sentir-se confiante. Teve certeza quando ela o olhou de volta. Ele já sabia.
Ela não notou. Passou por ele inadvertidamente (duas vezes). Olhou e cumprimentou outras pessoas, não ele. Sequer o viu. Surpreendeu-se quando ele surgiu do nada e disse “oi”, cuspindo as duas vogais como se tivesse passado quinze minutos brincando com elas na ponta da língua.
Ele perguntou seu nome. Ela disse os dois, seu nome composto. Não entendeu porque fez isso. Amigos potencialmente descartáveis (desses que se adquire em filas e noitadas) geralmente tinham acesso apenas à primeira parte de seu nome (a parte mais fácil de esquecer). Ele disse o nome dele. Ela achou inusitado. Não teria como esquecer.
Ele pediu para trata-la pelo segundo nome. Quantos sinais ela não veria naquela noite?
Conversaram amenidades. Política internacional. Conflitos no Oriente Médio. Perspectivas profissionais. Desejos para o futuro. Filosofia. Assuntos profundos tratados superficialmente, mas ainda assim, impróprios para o lugar e para o barulho.
Uma conversa que clamava por uma continuação. Mas ela não se atreveria a pensar que passaria daquela noite.
A carona chegou. Ela disse que estava de saída. Ele pediu seu telefone. Ela ficou na dúvida se daria o número certo ou errado, como geralmente fazia naquela fase (uma estratégia que tornara tudo ainda mais fácil). Começou a sequência determinada a mudar o último algarismo. Mas não o fez. Também não entendeu por que fez aquilo.
Enquanto se despediam, ela desejou saber se seus lábios eram tão macios quanto aparentavam àquela distância. Olhou para o lado, mexeu no cabelo, lhe deu mais um minuto. Quando se virou de volta ele já estava bem perto, de olhos fechados. Ela sorriu (ele não viu).
Quando abriram os olhos tudo estava diferente.
Ele já sabia. Ela, não. Mas, de alguma forma, sentiu naqueles lábios, os mais macios do mundo.
Suas vidas haviam mudado.
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Eu tava lá nesse dia!
Verídico!
Eu já falei e vou repetir: lindo texto! nem sabia que a Rata era tão ensível e romântica.rs
Garota! Já te falei q eu tenho sensibilidade! Só que eu deixo em casa quando vou encontrar vcs!!!! :-P
Quase sem querer… quase sempre.
“Surpreendeu-se quando ele surgiu do nada e disse “oi”, cuspindo as duas vogais como se tivesse passado quinze minutos brincando com elas na ponta da língua.”
Como não amar – profundamente – os seus textos (e essa história)?
O texto é de uma sensibilidade inigualável,Amei ! Senti pena quando acabei de ler e o reli várias vezes..Parabéns!