Vida facebookiana-instagramizada

Ah, essa vida maravilhosa de corpos malhados, sorrisos talhados em fotos milimetricamente filtradas! Coisa linda, minha gente! Pixel a pixel, as pessoas se esforçam para imprimir não apenas o sorriso perfeito, mas a própria quintessência da beleza, sucesso, bem-aventurança, enfim, da felicidade suprema – coisa que obviamente não encontra ar fora das redes sociais.

Ora, veja… Como sou cidadã crítica da futilidade cibernética! Peraí que eu mereço um meme!

ui

(Aliás, já morreu o “ui”, né, gente? Puxa vida, já vai tarde).

Mas não se iludam, como eu sempre digo: eu sou uma fraude. Eu também dou aquela editada sagaz em mim mesma. Foto da minha barriga, por exemplo, em redes sociais NUNCA SERÁ. Minhas imagens postadas são sempre o resultado menos pior de uma série de cinco (no mínimo!).

Mas também já postei vários status queimadores (carbonizadores!) de filme sobre, sei lá, como é difícil viver numa casa onde o café é feito direto no copo de requeijão porque a jarra da cafeteira quebrou e a dureza momentaneamente me impede de comprar outra (jarra! Que dirá, cafeteira!). Só que parei de brincar assim (ou pelo menos aliviei) porque me percebi um bicho esquisito, uma hiena, talvez, em meio a uma selva composta apenas por felinos de fino trato.

Todo mundo quer mostrar sua melhor versão. E que problema há nisso? De verdade-verdadeira, nenhum. Mas da maneira como vejo, são as perdas, os momentos pouco edificantes que nos fazem humanos. Ser vitorioso o tempo todo dá tanto trabalho que transforma esses felinos em seres mitológicos, verdadeiros deuses e semi-deuses do Olimpo! E você acha que tem cerveja no Olimpo? Caipirinha? Playlist que vai de Elis a Audioslave passando por Sidney Magal? Tem nada, rapaz! Ah, eu canso… Dá não. (Tá descendo essa nuvem? Segura pra mim então!)

Tirando meu mal humor e preguiiiiça, tudo isso seria inofensivo e não valeria indignação alguma se não viesse atrelado à maior dificuldade da vida nessa sociedade facebookiana-instagramizada: o total desinteresse pelos relacionamentos.

É tanto tempo perdido em busca do filtro perfeito que não dá para aprofundar conversa nenhuma! E isso, levado às últimas consequências, acaba por produzir uma horda de seres humanos (ou felinos?) que passam anos sendo exatamente os mesmos, como se tivessem encontrado a fonte da juventude emocional. Simplesmente não amadurecem.

Você pode estar se perguntando… “Meu Deus! Da simples dificuldade em aprofundar as conversas chegamos a um surto de não-amadurecimento?? O que vem depois?? A volta da doença da vaca louca?? O que está acontecen-dú-uh? Eu estava em paz, quando esse texto do Amor Crônico chegou”.

Mas calmem que eu dei um salto no meu rançiocínio. Eis o pulo gato (ou seja, do felino! Huiahuiahuia):

Minha teoria (ou de alguém bem mais inteligente e que eu desconheço, ou alguém que conheço mas não lembro agora, num movimento inconsciente – porém nítido! – de roubar a ideia alheia) é que a gente cresce através das relações.

Cada relacionamento oferece oportunidades diversas de crescimento emocional, de amadurecimento. E a diversidade de relacionamentos nos oferece a diversidade de oportunidades diversas de amadurecimento (entenderam? É tipo, diversidade ao cubo!).

Relacionamento com os pais (e mães!) não é capaz de nos levar a fase adulta, embora a família construa essa base. Quanto mais eles nos ajudarem a lidar com frustrações e regras, melhor nos sairemos na vida adulta. Mas eles, nossos pais, só nos trazem até uma antessala da vida real. Daí pra frente passamos a depender de outras relações; amigos, amores, colegas, vez por outra um vizinho, os chefes, depois os filhos, genros/noras, netos, talvez até a enfermeira do asilo… uma pessoa disponível ao relacionamento nunca para de amadurecer.

Ah, mas nessa selva maravilhosa de felinos filtrados e estilizados, os relacionamentos parecem ter perdido muito território (não mijou nos cantos, deu nisso).

Compreensível, afinal, como se aprofunda uma relação sem uma de boas conversas? (Rapaz, que trocadilho sutil, agora, hein. Achei digno. Sei nem por que, mas achei).

O que mais se vê por aí é gente repetindo as relações, alternando apenas o “invólucro” daquilo com o que se relacionam. E essa falta de diversidade de relações transforma gente muito boa em tristes e eternas reprises de si mesmas.

O amor, por outro lado, está bombando nas redes sociais: distribui-se tal palavra indiscriminadamente! Aliás, estamos todos “amando” freneticamente, da mesma maneira que o “ódio” também se popularizou enquanto expressão idiomática. Eu (que sou uma fralde, não se esqueçam) vivo comentando “AMO!” e “ÓDIO” nas postagens dos amigos.

Mas de tantos amores proferidos interneticamente, quantos se resumem à fusão do símbolo matemático de “menor”  (<) com o algarismo “três”? (Ou à das letras “s” somadas com o algarismo “dois”? Esse NEM PARECE coração, gente! Noção, por favor).

Nenhum emoticon conta se não for acompanhado de um encurtamento de distâncias, de um jeito de estar junto que pode até ser cibernético, mas nunca virtual.

Então, se você tiver UMA pessoa em sua timeline realmente disposta a se deixar conhecer e a te conhecer também, não perca tempo. Aprofundem-se juntos.

Em tempos de facebook e instagram, a melhor coisa que você pode fazer por si mesmo é encontrar alguém com quem rasgar o tecido da fantasia (aquele estampado de oncinha).

Estejam abertos para aprofundar as conversas e relacionamentos. Encontrem parceiros para cavar seu abismo e dar a mão na hora do pulo.

Felinos perfeitos tem medo de altura.

felino perfeito

linhaAna Márcia Cordeiro

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