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A solteirice de Dona L.

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Minha época de adolescente era muito (muito!) diferente de hoje. Minha filha dirá o mesmo, em seu tempo. Nossas mães ainda ensinavam que sexo era só depois do casamento. Aliás, minha filha de sete anos acreditaria em mim daqui uns anos? Nem vejo problema algum nisso, na verdade. Afinal, os namoros eram fases de descobertas. Meninas deveriam ser meninas até terem maturidade para se tornarem mulheres.

A história parece ser contada no século passado. Mas é. Mil anos não nos separam, no entanto, falar dos anos 80 é quase um capítulo de “Downton Abbey” nos dias de hoje. Lembro da minha mãe dizendo que eu poderia namorar, mas que os meninos tinham necessidades de meninos, e que se fizessem “aquilo” com outras garotas, que eu não me importasse. Todos os nossos pais eram casados na igreja, e raríssimas vezes alguém tinha um “irmão por parte de pai/mãe”. Mas, tínhamos uma exceção. Uma raríssima e quase escandalosa exceção: uma amiga, filha de mãe solteira. Não sei o que nossos pais pensavam sobre isso exatamente. Havia alguns murmúrios, assim como algum filho de pais separados, mas, eu sabia que eles preferiam outras amizades. Quanto a mim, eu achava muito diferente, porém divertido!

Enquanto nossas mães estavam em casa fazendo comida, cuidando da casa, se descabelando com os filhos, a mãe dela estava trabalhando. Mais diferente, impossível. Dona L. tinha seu carro, seu apartamento, e eu achava tudo de muito bom gosto. Eu quase não a via, porque ela trabalhava o dia inteiro, e quando chegava em casa, jamais poderia haver alguém por lá, além de sua filha. Impunha muito respeito, e morríamos de medo de levar uma bronca. Os meninos sonhavam em vê-la na praia. Era gostosa. Elegante e gostosa. Mas, também morriam de medo dela. Escolhia as amizades de sua filha à dedo. Era até engraçado, porque sempre havia uma má influência: os que tiravam a atenção dos estudos, os de boca-suja, e os que apresentavam os temíveis (e proibidíssimos!) namoradinhos. Quanta rebeldia!

Na casa da minha amiga “os pais” não brigavam. Ela não ficava no meio de jogos de empurra. Do lado de cá, os pais eram responsáveis pela disciplina, e as mães, pela educação. Do lado de lá, na casa dela, acontecia uma mágica que o chumbo grosso vinha numa tacada só. SIM era sempre SIM. NÃO era sempre NÃO, e pronto. Não havia discussões sem fim. Mas, também não havia diálogo.

Eu gostava de ir pra lá. Na geladeira, Dona L. sempre deixava uma sobremesa gostosa pra filha. Eu comia, claro. Íamos à tarde, escondidas, porque enquanto ela trabalhava, sua filha morria de tédio sozinha, e, obviamente, adorava uma bagunça. Mas, existia um cômodo sagrado: no quarto da minha mãe não pode. Às vezes eu entrava… Coisa feia entrar no quarto dos outros escondido… Mas, eu queria ver o que era tão sagrado. Sentia-me aquelas crianças encantadas com coisas de gente grande. Minha mãe não podia se dar ao luxo de ter uma penteadeira tão bonita, cheia de perfumes, maquiagens e jóias. Eu era adolescente, mas meus irmãos eram crianças levadas. Difícil até deixar a casa em pé. Mas, aquele quarto de Dona L. era mágico. Eu queria mexer em tudo. Lembro de um perfume, que achava o nome engraçado: “Anais Anais”. Ora, perfume com nome de c*, né? No entanto, eu tinha certeza de que deveria ser alguma coisa muito chique, que eu não sabia pronunciar. Imagina… Dona L., uma lady, saberia escolher divinamente um perfume. Eu que estava rindo à toa. Ah, adolescentes…

Minha amiga nunca falou do pai. Nunquinha. Acho que perguntei uma vez, mas não lembro da resposta. Não era falecido, mas vivia como se fosse. Também nunca a vi choramingar, nem lamentar ou achar que nossa vida era mais completa que a dela. Chato, como para qualquer adolescente, era a super proteção da mãe. Aliás, mãe é um bicho muito chato, minha gente. Tirando isso, é apenas tudo de mais valioso no mundo. E a dela era em dobro.

Um dia desses, tive a sensação de déjà vú. Em cima de um dos meus móveis no quarto – meu lugar sagrado – tinha um perfume de nome engraçado: “Anais Anais”. E como se um filme tivesse passando de repente na minha cabeça, me orgulhei de mim. Como um desses planos mirabolantes do universo, estava eu ali, pedacinho de Dona L.

Meus pais são casados até hoje. Sou feliz por ter sido criada numa família de cinco pessoas. Meu pai e minha mãe, juntos, me deram irmãos, que também são a minha vida. Até hoje tenho meu pai como referência de força e proteção ou às vezes só quero a minha mãe. Porém, hoje vivo numa família de duas: minha filha e eu. Hoje percebo que o que era tão diferente no passado era só uma questão de conceito social. Existem famílias maiores e menores, não completas ou incompletas. Eu gostava da “paz” na casa da minha amiga e do furdunço de uma casa cheia.

Hoje também tenho a solteirice de Dona L. Às vezes me sinto sobrecarregada. E com razão. Se eu pudesse escolher (ou tivesse me cuidado para isso), eu escolheria ter com quem dividir responsabilidades ou pelo menos empurrar de vez em quando. Mas, há outros tipos de sobrecargas em famílias grandes, e, no final das contas, família só muda o psicanalista.

Acho que enquanto eu entrava escondida no espaço sagrado de Dona L., que tanto me encantava, talvez fosse o universo me avisando quem eu seria. Bem, só me falta a penteadeira. Ah, e o carro. Ah, e a sobremesa da minha filha na geladeira.

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Dezembro, yeah yeah yeah!

Que Jesus não nasceu em dezembro, isso já aprendi. Que Jesus não é o primeiro item lembrado da listinha como símbolo maior do Natal, isso também já deu para reparar. Mas, independente do que tudo isso possa significar para cada um, mesmo para os mais incrédulos e inconformados com a pieguice do coração alheio, dezembro é um mês lindo, não só porque foi o mês que escolhemos para jurar ao Papai Noel que fomos bons meninos o ano inteiro e ganhar muitos presentes. Dezembro é, graças a Deus, a prova de que o ano a-ca-bou.

Não, não. Para mim não foi um ano ruim, não! Não tenho como reclamar de um ano que fechei com um show do Paul McCartney na lista. Desculpaê! Passa a régua!

No entanto, o fato do ano ter sido tão “yeah, yeah, yeah”, não quer dizer que eu passaria por ele todo de novo ou que desejaria outro igual. Jamais! Estou aliviada. Deus me livre daquilo que não consegui resolver, daquilo que não entendi, da filha da p*ta que me perseguiu no trabalho. Que me livre dos dias que me senti incompetente, angustiada, sem esperanças. Que me livre de todos os babacas que apareceram na minha vida. Deus me livre da ignorância e me livre de compactuar com ela. Talvez seja essa a parte mais difícil, porque a gente também erra pra c*ralho.

Dezembro é, portanto, o mês que, oficialmente, fecho um ciclo no meio da bagunça. O ano seguinte não transforma o ano anterior em passado. Meu cabelo não cresce de imediato. Os babacas vão continuar na minha vida. Minhas prestações permanecem religiosas. Mas, eu preciso renovar minhas esperanças. Algo como trocar a música repetida por outra da mesma banda. Quero dar um jeito de rever os amigos que não consigo ver o ano inteiro. É o mês das férias, matar algumas saudades, reunir com a família, comer até se acabar, rir, abraçar e se endividar, claro, com os presentes das crianças. É o mês de resolver pendências pessoais, porque a vida é muito curta and all you need is love. É o mês que, em outras palavras, ora… as pessoas evitam fuder o próximo, assim, sem amor. Acho super positivo. E diferente.

Particularmente, em relação ao Natal, educo a minha filha de forma cristã. O nascimento de Jesus é a mágica que impulsiona a força do bem. É a alegria revigorante do mês de dezembro. O resto é detalhe. Adoro decoração, mesmo que não tenha nada a ver com a gente. Neve artificial no meio do asfalto escaldante é o suprassumo da falta de raízes, mas talvez o Dalí ficasse inspirado em pintar essa tela, não? Papai Noel é um fofo, sendo que aqui em casa ele é só mais um personagem infantil no meio de tantos outros. Marina acredita em Papai Noel, tanto quanto acredita nos Pinguins de Madagascar. Questão de opinião. E criação.

Seja bem-vindo, dezembro. Assim, de repente, que nem você chega todo ano. Que os ciclos se fechem, abrindo tantos outros. Que a solidariedade e compaixão sejam predominantes, mesmo que pareça tarde ou apenas conveniente. Que esse fim seja oportunidade de recomeços cheio de esperança, boa fé e, principalmente, muita FORÇA, porque no final, é dela que a gente precisa. 2014 tem sido bom para uns e ruins para outros, naturalmente…mas, fácil? Ah… fácil ele não está para ninguém.

And in the end,
The love you take
Is equal to
The love you make.
Paul McCartney

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Amigo de quem?

Estão dizendo que hoje é dia do amigo. Claro que aproveitamos para lembrar e agradecer aos que fielmente nos acompanham nessa caminhada. Beijos, te amo, não vivo sem vocês. No entanto, como uma boa amiga – da onça – que sou, devo lembrá-los que nem todo amigo é o amigo perfeito de Neverland (alguns chamam de Facebook). Ora, tem amigo que aproveita que é amigo para ser chato, inconveniente e generosamente desagradável. Desculpa, amigo, mas não te amo e vivo bem sem você.

Outro dia, conversando com uma amiga, confessei que tenho tanto medo de me meter na vida dos meus amigos, mas que às vezes, talvez, eu peque por omissão. Sempre acho que quem precisa de ajuda, pede. Bem, eu sou assim. Entendo que alguns têm medo de incomodar com “bobagens”, mas sei também que outros querem que você adivinhe, por obrigação, já que você é um amigo.

Não sou aquela amiga dos sonhos, ou seja, não sou aquela amiga-para-todas-as-horas ou conte-sempre-comigo, mas, talvez, como uma boa – boa mesmo – amiga, já avisei. Não dá pra contar comigo pra tudo. Até porque eu tenho a minha vida, meus problemas, minhas preocupações, que tento contornar, para não precisar pedir que alguém largue tudo que está fazendo para me acudir. Assim penso eu. Mas se é de mim, apenas de mim, que você precisa, largo tudo para te ajudar.

Já tive mais necessidade de falar os meus problemas. É bom ter com quem conversar… Mas problema, meu amigo, geralmente é algo que você já sabe como resolver, e não consegue. Ter um amigo nessas horas é muito bom para um desabafo, mas se ele não tem como te ajudar, dependendo, ele vai ressaltar todos os erros que te levaram a chegar onde você está. Valeu o desabafo? Às vezes não.

Não costumo mentir para os meus amigos, mas também evito dizer verdades desnecessárias. Não sei qual critério costumo usar para medir palavras enquanto algo está tão claro para mim, e tão difícil para ele. É insuportável ver um amigo sofrendo por algo que eu tenho respostas e posso ajudá-lo a se orientar… Mas logo lembro de situações, maiores ou menores, que me encontro, e no entanto também não consigo me ver.

Todavia, por incrível que pareça, se é difícil um amigo para momentos tristes, mais difícil ainda é para os momentos felizes. Lembro que quando resolvi sair da casa da minha mãe, insegura com a independência, porém feliz pela conquista, um amigo me disse “Conheço muita gente que teve que voltar pra casa da mãe depois”. Que derrota. É de contar nos dedos aqueles que ficam felizes junto com a gente.

Hoje tenho poucos e bons amigos. Posso dizer que são minhas maiores conquistas. Gosto mais daquela parte que a gente ri junto, porque é para isso que a gente vive… mas há dias de sol e dias de chuva, e estamos juntos debaixo desse céu todos os dias.

Aproveito a oportunidade, longe de Neverland, para agradecer a todos os meus amigos e dizer que sem vocês e minha família, eu não seria nada. Se hoje conquistei tantas coisas (quem me conhece antes da minha filha sabe), que jamais sonhei que seria capaz, foi porque meus amigos me ajudaram. Às vezes acho que não mereço os amigos que tenho, porque são aqueles para-todas-as-horas, conte-sempre-comigo e para-vida-toda. Nunca consigo retribuir à altura, mas, em minha defesa vocês podem contar com o tipo ajuda-quem-não-atrapalha. Não é muito, mas é de coração.

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A menininha

Desde que entrara na rua uma menininha lhe chamou atenção.
Ela era loirinha, pequenininha…sentada na calçada olhando fixamente para um terreno cheio de entulhos. Ela chorava segurando sua boneca. Ele então para e pergunta:

– O que você está fazendo aqui sozinha, mocinha? E por que está chorando?
– Moço, cadê a minha casa?
– Onde é a sua casa?
– É ali. – apontando para o terreno.
– Você deve estar enganada… Ali não tem casa alguma … É só um terreno cheio de entulhos… Como você veio parar aqui?
– Não, moço… É a minha casa… Cadê a minha mãe?
– Qual o seu nome?
– Cadê a minha casa, moço? Cadê a minha mãe? Por que tá tudo vazio? Por que eu não to ouvindo meu cachorro? Eu juro que minha casa é ali, moço…chama a minha mãe…chama, moço…
– Vamos ali… vou te dar um copo d´água, você se acalma e me diz o nome da sua mãe pra gente chamar ela pra vir te buscar…ok?
– Vou ficar aqui esperando minha casa voltar.
– Vou buscar a água para você…

Na volta, a menininha não estava mais ali. Achou estranho… Há tantos anos morava naquela rua, e só prestava atenção naquele velho terreno quando a prefeitura acordava toda vizinhança com seu caminhão de lixo, tentando dar um jeito nos entulhos, onde havia uma placa grande escrita “proibido jogar lixo”.

Os dias se passaram, e era inevitável não lembrar daquela menininha misteriosa chorando em frente àquele terreno abandonado.

Um dia a placa estava no chão, e o terreno todo limpo. Disseram que um supermercado famoso seria construído no local. O homem resolveu entrar para que, depois de alguns anos, pudesse contar aos seus amigos, com aquele ar pomposo, histórias do tempo onde “esse supermercado ainda era só um terreno abandonado.”.

Antes de sair, notou que no grande muro, todo sujo ainda, havia alguns desenhos. Teria sido uma escola infantil, ele pensou. Chegou mais de perto, e pôde ler “papai e mamãe te amam”.

O homem nunca entendeu essa história. Nunca mais soube da menina ou o que havia ali.

O supermercado não foi construído. Aproveitaram o espaço e fizeram um enorme estacionamento rotativo.

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“O momento que alguém realmente escuta seu coração, não tem preço”

Enquanto o amor não volta por aqui… Uma história para aquecer o coração da gente:
;)

Via Patrícia Rodrigues

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