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Tudo novo

Toda virada de ano nos pegamos fazendo planos que se perdem facilmente antes do carnaval – que, segundo a lenda, é quando o ano realmente inicia. Parece até dieta: segunda-feira eu começo! Segunda eu paro de fumar. Segunda eu entro na academia. Segunda eu paro de beber. Segunda eu mudo de emprego. Segunda eu arrumo um namorado. Segunda eu me separo daquele pilantra. Segunda!

E, de promessa em promessa, você está aí, com a bunda gorda sentada na mesma cadeira, cercada de pessoas que você preferia que explodissem como fogos de réveillon, esperando. Esperando o quê? Milagre? Eu até acredito em milagres, mas aqueles que você faz por merecer.

Às vezes, ficamos arrumando desculpas pra não fazer o que realmente queremos. Mas arrumar soluções produz o mesmo esforço mental, eu garanto. E, quando traçar sua meta, não se assuste com a distância: apenas dê o primeiro passo. Como dizia Chico Science, ele é o suficiente para que você já não esteja no mesmo lugar. O resto é consequência. Mas ninguém pode dar esse passo por você. Confie. Em VOCÊ. Porque você PODE. Cultivar o amor-próprio é a forma mais simples de conquistar a felicidade.

Hoje, não vou desejar a você aquele clichê de boas festas: saúde, paz, prosperidade, harmonia… Com certeza muitos entes queridos já fizeram esses votos! Amigo do Amor Crônico, desejo a você CORAGEM. Com ela, você pode alcançar o que quiser.

Lembre-se: o ano não vai ser realmente novo se você continuar igual.

Peixe

Que venha 2014!

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Lina Vieira

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Leve

Era uma tarde morna de outono e tudo parecia se repetir como um déjà-vu enfadonho diante de seus olhos. O sabor amargo de mais um dia que se passava perdurava na boca seca e pálida. As folhas se desgarravam dos galhos e caíam lentamente, na mesma velocidade e constância que as lágrimas escorriam sobre o rosto paralisado e sem viço.

Ela espia o estabelecimento do outro lado da rua. Das mãos do atendente feliz se faziam dançar sobre a bandeja líquidos, sólidos e fluidos, em cores, corpo e alma. O bailar vívido e pleno nas pontas dos dedos do rapaz fazia espalhar sorrisos pelas mesas do bistrô escondido entre as árvores.

Atravessando a rua, ela pensa: café, chocolate ou uma torta com água? Rapidamente, o garçom puxa a cadeira e a convida a sentar. Ele sugere uma refeição e ela resolve aceitar. Na verdade, nem fome ela tinha. Sentou-se ali tentando sugar um pouco do riso que ouvia de longe. Pede que a bebida venha junto à refeição e se cala.

Esperando o pedido, ela balança as pernas em um movimento ritmado e olha à sua volta com a cabeça baixa, se escondendo atrás dos cabelos longos. Uma eternidade separava o momento em que ela aceitou a ideia do garçom da hora da primeira garfada. Desconfiada, ela sopra o garfo com um creme quente e cheiroso. Olha para os lados novamente, disfarça e enfia tudo na boca de uma só vez. Ainda não sabia se era bom ou ruim, mas era picante. Puxou mais uma garfada. Engoliu.

Com a sutileza e simpatia de uma borboleta, o garçom pede licença e serve uma taça de Sauvignon Blanc na temperatura perfeita. Ela cheira o vinho e faz cara de aprovação com certa esperança. Boca entreaberta, o líquido toca macio na língua e penetra calmamente pela garganta. Ela toma outro gole. E outro. E mais um.

Agora, o sol parecia mais laranja e vivo, aquecendo a pele desde os dedos dos pés, já descalços, passando pelas pernas semicobertas pelo vestido longo, subindo até o colo rubro. O rosto já confessava tudo o que se passava nos seus pensamentos mais proibidos, entregue pelo brilho nos olhos.

O garçom passa ao lado e ri discretamente, assumindo a culpa. Especialista em fazer dançar os fluidos em ritmo sincronizado, ele já sabia que a sessão de terapia tinha terminado. Lendo nos olhos dela o enlace do vinho e da pimenta, sem nada perguntar, ele pousa a conta na mesa. Ela sorri, paga e se levanta, leve e serena. Cúmplices, despedem-se com um aceno de cabeça.

Na calçada, sob a luz clara do dia, ela acha difícil enxergar a tela do celular, mas é fácil identificar o nome e a foto entre as últimas mensagens trocadas. Insinuações, afinidades, provocações, necessidade, vontade. Desejo é quase amor. Desejo é amor com leveza. Ela hesita por apenas alguns segundos e inicia a chamada.

Do outro lado da linha, um coração sorri, maliciosamente.

Leve

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Lina Vieira

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Dançando no escuro

Não é como das outras vezes. Eu sei que hoje não haverá volta. Não, eu não sei. Mas eu sinto. Sinto sua ausência, embora você esteja ali. Parado. Na minha frente. A alguns centímetros do meu toque. A quilômetros da minha compreensão.

Você continua com a cabeça baixa. Culpado e vítima sem argumentos. Silêncio. Deve estar ouvindo minha respiração ofegante, já que o ar parece fugir dos meus pulmões. Não quer voltar. Também me abandona, inquieto e desnorteado.

Quero tocá-lo de um modo que não consigo mais. A dor e a angústia, pela primeira vez, se sobrepõem ao desejo. Mas, embora não o toque, ainda posso senti-lo, como senti todas as outras vezes. E, enquanto me recordo da textura e da temperatura da sua pele, percebo que já é saudade. E isso, estranhamente, me conforta.

Eu sei que muitos alarmes falsos já soaram, mas dessa vez o desastre é inevitável. Não podemos nos salvar. E eu sei que você percebe isso também. Condenados ao adeus, nos olhamos mais uma vez nos olhos. Não temos nada a dizer, pois todas as palavras já foram desgastadas: agredindo e perdoando, provocando e acalentando.

O fogo se apagou. E estamos aqui, dançando no escuro, ao som de uma melodia que não faz mais sentido. Nosso pequeno mundo está desabando. E o ruído dos corações partindo faz o silêncio tremer, solidário. Levanto-me e bato a porta atrás de mim. Passo a mão pelo rosto e seco a última lágrima, chamando-a “última” como ordem e súplica.

 

Porta

 

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Lina Vieira

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Brisa

Máquina de escrever

Eu já decorei o seu gosto
E a memória da sua pele brilha em mim
Porque o sol da sua casa tem uma cor diferente

Mesmo quando estou longe
É o seu nome que segue meu caminho
Nos dias em que não estou só

Mesmo depois de tanto tempo
Essa recordação é meu guia
Sopro morno de desassossego

Você sempre acreditou em amor eterno
Em corações partidos e dores sem fim
Mas amar é só o começo do dia!

Minha vida anda tão boa
E eu ando tão cheia de mim
Que posso deixar tudo assim
E achar que sou feliz à toa

Mas o mundo dá tantas voltas
E a menor brisa pode te trazer de volta
Ao mesmo começo
Ao mesmo fim

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Lina Vieira

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O som do sim

Existem momentos em que você pensa, pensa e não há outra saída além da rendição. Porque não adianta procurar cura para algo que não é doença. Mas dói. Eu juro. Eu senti. Dói e queima. Arde. Sua proximidade me enfraquece. Me arranha. Me entorpece, me tira o ar. Sua presença me afoga em pensamentos, me afunda em ideias sórdidas. Quero voltar à superfície da realidade! Mas seu toque me faz transpirar, me faz tremer. Ah, esse doce arrepio que percorre meu corpo. Calafrio de calor é algo clinicamente viável? Preciso de uma vacina! Um remédio. Um veneno pró-monotonia. Porque eu quero minha paz de volta. Meu fôlego de volta. Minha sanidade de volta. Tento argumentar com meu desejo. Motivos não faltariam para justificar a resistência. Mas aí você vem e me faz te querer mais e mais. Preciso te dizer não! Mas já ouço o som do sim em meus lábios. Esse som ecoa, persistente, na minha cabeça. Atordoante. Inconsciente. Incoerente. Me tirando o norte. E não adianta rodar em círculos quando todos os caminhos levam até você. Não há retorno. Não há desvios. Agora é ladeira abaixo. Pressinto o impacto. A explosão. Mas eu não quero frear.

 
Desejo
 

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Lina Vieira

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