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A obrigação de ser forte

Vivemos em uma sociedade que, a todo momento, fala em superação e desempenho. Não é de hoje que ouvimos que para conquistar alguma coisa basta ter perseverança, persistência e acreditar firmemente. Todos temos que ser vencedores. O tempo todo.

Mas, sabemos, todas as pessoas têm problemas, vulnerabilidades e defeitos. Que a maioria esconde sob uma armadura, guardando seus sentimentos e emoções, para não demonstrar fraqueza, já que, ao vencedor, não é permitido ser fraco.

Não somos preparados para lidar com a imperfeição e o insucesso, mesmo não sendo perfeitos e não alcançando sucesso o tempo todo, porque nem tudo está ao nosso alcance. Não somos coisas. O que nos impede de sermos eficientes, eficazes e ter excelente desempenho 24 horas por dia.

São inúmeros os papéis que desempenhamos. Somos pais, filhos, irmãos, cônjuges, amigos, amantes, empregados, estudantes, vizinhos, voluntários, cuidadores e muitos outros. Alguns desses papéis desempenhamos simultaneamente. Como fazer tudo, o tempo todo, de maneira perfeita?

Quando crianças olhamos os adultos como se fossem infalíveis, inteligentes, certos do que fazem. Ao crescer e nos tornamos adultos, nos damos conta de que os adultos são pessoas complicadas, vulneráveis, cheias de incertezas e, algumas vezes, também não sabem o que estão fazendo. Por que, então, continuamos fingindo? Para quem estamos mentindo?

A vida seria mais fácil e mais leve se fosse permitido demonstrar os sentimentos sem julgamentos, se aprendêssemos a gerenciar (e nomear) as nossas emoções, se aceitássemos que pessoas sofrem derrotas, humilhações, perdas e injustiças. Ninguém vive só de vitórias e histórias positivas para contar.

Não quero com isso, dizer que para aprender temos que sofrer. Estou querendo dizer que essa obrigação de ter que vencer e ser forte o tempo todo, de que temos que ter um propósito, uma realização, um objetivo a ser alcançado para ter sucesso apequena a vida humana.

Somos pessoas. Não produtos. A sociedade insiste em esfregar na nossa cara que nunca somos suficiente o bastante, nunca temos o bastante. E assim, seguindo em frente sem questionar o que é sucesso para nós mesmos, passando por cima do que sentimos e demonstrando que está tudo bem, mesmo quando não está, nos afastamos do que somos.

A obrigação de ser forte, que muitas vezes nos impede de falar o que sentimos, de acolher as próprias emoções, de pedir ajuda, procurar auxílio especializado e demonstrar fragilidade só nos torna fracos. Ainda que, aos olhos dos outros, você espelhe uma imagem de sucesso e força.

Crônica publicada por Giseli Rodrigues, em seu blog pessoal, no dia 26 de fevereiro de 2023.

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“Eu não tenho mais mãe”

This is Us é uma série famosa e conhecida por arrancar lágrimas dos seus espectadores por meio das histórias familiares de seus personagens. Inclusive, eu comecei a assistir por isso. Amo casos de família. Amo drama. Amo cenas emocionantes. Amo chorar vendo filmes e séries. Para quem ainda não sabe, sou canceriana.

Demorei a chorar com essa série. Vi a primeira temporada arrastada e quase desisti, só a partir da segunda comecei a ver, ou melhor sentir, a emoção de que tanto falavam. A história é boa. Família, sabemos, sempre rendem traumas, histórias de superação, vitória, felicidade, tragédia. Na vida de todo mundo. Por isso todo mundo acaba se identificando de alguma maneira.

Mas, ontem, assistindo a sexta temporada, eu chorei de verdade. Tanto que não consegui continuar. Precisei parar. Para quem ainda não assistiu adianto que contém spoiler- sei que a temporada nem é nova, mas vai que você ainda não viu? Tem um episódio em que o Jack recebe a notícia de que sua mãe morreu. É esse o spoiler, porque os detalhes são irrelevantes para o que quero escrever.

Depois do velório e do enterro, em casa e ao lado da sua família, o personagem começa a chorar e diz para esposa “eu não tenho mais mãe”. Parece que, naquele momento, a sua ficha caiu, ele percebeu que a ausência física de uma mãe que vive longe em nada se compara a ausência de uma mãe que não existe mais.

E, ao escutar a frase na série, eu revivi a dor que senti, em dezembro de 2018, ao me dar conta de que eu não tenho mais mãe. Orfã de mãe. Desemparada da figura materna. Sem nunca mais poder escutar sua voz, ter a sua presença, fazer uma visita, enviar uma mensagem. Há quatro anos eu não tenho mais mãe e, dependendo do motivo ou do momento, ainda não consigo dizer isso sem chorar.

Hoje não sinto o desconforto ou incômodo que já senti quando alguém pergunta sobre minha mãe e digo que ela já faleceu. É isso. Ela morreu, faleceu, não está entre nós, não tenho mãe. Quem pergunta é que fica com aquela expressão desconfortável de quem não sabe o que falar. Alguns esboçam um “sinto muito”.

Dizer para alguém que não tenho mãe não é dolorido hoje. Mas ainda é dolorido não ter mais mãe. Não ter mãe é mais do que perder alguém que a gente ama muito, o que por si só, já é uma dor inexplicável. Perder a mãe é perder um pouco de si mesmo. De suas histórias, de suas memórias, de suas crenças e rituais.

Por diversas vezes, nestes quatro anos, eu queria relembrar alguma coisa, mas ninguém sabia a não ser ela. E eu não tinha onde perguntar ou a quem procurar. Procuro lembrar as histórias dela e usar as expressões que ela usava, mas confesso que às vezes tenho medo de que minha memória falhe e eu deixe de conhecê-la tal como ela era. E o que são os mortos se não o que lembramos e perpetuamos deles?

“Eu não tenho mãe” é muito mais do que reconhecer que uma pessoa morreu. É se dar conta de que uma parte sua, a partir daquele momento, agora caminhará sozinha, por mais que você tenha muitas pessoas nesta vida. Eu me alegro por ter chamado de mãe uma das mulheres mais amorosas e especiais que conheci nesta vida e isso é o mais perto que posso chegar dela, porque, hoje, eu não tenho mais mãe. E ainda estou encontrando quem sou sem essa parte de mim.

Dia 27 de janeiro era o dia do aniversário da minha mãe. Não foi um dia triste, mas, claro, eu lembrei dela. E, hoje, ao me deparar com este texto no rascunho, que eu já tinha esquecido de ter escrito, resolvi publicá-lo.

Texto publicado por Giseli Rodrigues em seu blog pessoal.

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Não se culpe por fazer o que dá

Com o fim de um ano e início de outro, vem toda aquela pressão para avaliar as conquistas e traçar novas metas. O que você fez? O que quer em 2023? Como cumprir as resoluções de ano novo? São matérias, textos e posts, de pessoas bem-intencionadas até, incentivando que cada um de nós faça um ano realmente novo.

No final do ano, avaliando tudo que passei, eu me frustrei constatando que não consegui cumprir as metas que EU havia determinado para mim mesma. Não fiz o que queria. Admitir que nem sempre conseguimos fazer as coisas que nos propomos não é fácil. Eu ainda estou aqui, digerindo meus objetivos inalcançadas, e pensando quais deles trarei para o ano novo – já que não sou mais a mesma pessoa, não tenho a mesma rotina e, como na vida de todo mundo, surgiram outras prioridades.

Que eu não fiz tudo que queria eu já sei. Mas, ao avaliar o que fiz durante o ano eu me dei conta de que conquistei várias coisas que nem havia listado. E essa é a razão da minha escrita hoje: precisamos reconhecer o que fazemos e nos alegrar com todas as conquistas. Elas não são menos importantes por não estarem nas “resoluções de ano novo”. Por que não valorizamos tudo o que fazemos? Por que temos dificuldade de reconhecer nossas vitórias? Por que nos prendemos mais aos fracasso do que ao sucesso?

Preocupados em cumprir metas, não celebramos o que deu para fazer. E o que deu para fazer não significa que tenha sido algo mal feito, sem importância ou irrelevante. A vida não é um trilho, é uma trilha, onde mais elementos vão sendo adicionados no caminho. Temo que superar desafios, rever os planos, dar conta de imprevistos e seguir em frente. E temos que fazer acontecer (seja lá o que isso signifique para cada um) da melhor forma possível.

Uma vez ouvi de uma pessoa a seguinte frase: “precisamos lidar com a realidade”. E a realidade, embora frustrante, é que nem sempre vamos conquistar tudo o que queremos. Algumas vezes nos culpamos por fazer “só” o que deu, sem considerar que foi feita muita coisa e talvez até com mais complexidade do que havíamos planejado. Em alguns momentos fazer o possível é tudo o que podemos. É o melhor que podemos.

Um ano novinho começou para traçarmos planos e realizá-los, mas, principalmente, para fazermos coisas que nem conseguimos imaginar agora. Não se culpe por fazer o que dá. Fazer o que dá já é muita coisa.

Feliz 2023!

Crônica publicada por Giseli Rodrigues, em 7 de janeiro de 2023, em seu blog pessoal.

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Por que nos afastamos do que nos faz bem?

Eu ando exausta. E isso não é um privilégio meu. As pessoas com as quais eu convivo andam cansadas, esgotadas, desanimadas e sem energia. E não é uma exaustão física, é, sobretudo, mental. Viver no Brasil tem exigido muito de nós. Todos os dias. Mas este não é o tema desta crônica.

Eu também não sei ao certo qual é o tema. Olhei para o meu blog hoje e vi que a última crônica que escrevi foi em fevereiro deste ano e, desde então, nunca mais publiquei uma linha. E não publiquei por não ter escrito. Não foi por vergonha de algo que escrevi, não foi por medo de algum julgamento, não foi por achar que o texto não estava bom – até porque eu nunca acho que está.

Escrever é uma das coisas que mais gosto de fazer. Desde de muito pequena. Era a menina que tinha um caderno cheio de escritos, que inventava versos e que na segunda série criou um grupo na turma para escrever uma revista. Depois que fazíamos o dever, sentava eu e demais nerds no fim da sala para escrever. Escrevendo consigo expressar melhor minhas ideias, entender meus sentimentos, organizar minha mente e me reconectar comigo mesma.

Hoje, sentindo tão exausta, me perguntei: será que a causa não é, em parte, por estar afastada da escrita? Então descobri o objetivo deste texto: fazer com que eu me sinta melhor. Que as palavras me devolvam algum ânimo. Que eu consiga pensar com mais clareza. Que eu possa voltar a escrever com frequência.

Por que nos afastamos do que nos faz bem? Quantas coisas pequenas, simples e cotidianas deixamos de fazer, imersos a tantas coisas importantes, urgentes e necessárias? O que você gostava de fazer e não está fazendo atualmente?

Será que seu esgotamento não está relacionado a deixar de fazer o que te faz bem? Escrever, escutar música, dançar, praticar um esporte, desenhar, falar com uma pessoa querida. O que você gosta de fazer? O que recarrega as suas energias? Você tem feito isso em algum momento?

Hoje volto a escrever, nem que seja para mim mesma, com canetinhas coloridas em um dos muitos cadernos bonitos. Publicar eu já não sei. Estou publicando agora só para te lembrar que tem sempre alguma coisa pequena que nos faz felizes. E que não precisamos nos afastar dela, por mais que sejam muitas nossas tarefas cotidianas.

Se, como eu, você deixou algo que te faz bem para trás, retome.

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Quanto tempo ainda nos resta?

A única certeza que temos é de que iremos morrer algum dia. Não sabemos como, nem quando, nem onde. A cada novo amanhecer não sabemos se estamos vivendo mais um dia ou menos um dia – provavelmente os dois, dependendo da perspectiva. Pouco falamos sobre morte, não gostamos de falar sobre ela e não planejamos como vai ser a vida quando não estivermos mais aqui.

A morte é uma tragédia. Só quem já viveu a perda de um ente querido conhece essa dor. Não encontro palavras para descrever, porque simplesmente não há. Um novo mundo passa a existir a partir da morte de alguém que faz parte da nossa vida. Rituais que eram importantes passam a não ter significado, coisas simples e cotidianas povoam nossa memória, a saudade surge em momentos inimagináveis.

Pessoas que fazem parte das nossas vidas, que ajudaram a construir nossa história, não são substituíveis. Elas vivem para sempre dentro de nós. Há algo delas em nós. Por mais que a pessoa não exista fisicamente, ela continua existindo. E continuará existindo enquanto fizer parte das nossas lembranças, memórias, experiências. Continuará enquanto estivermos vivos.

Por outro lado, falar de morte é falar da vida. Se não há para onde fugir, de que maneira queremos ser lembrados quando não estivermos aqui? O que queremos deixar para quem amamos? Que tipo de relações desejamos construir e manter? Ao lado de quais pessoas queremos viver momentos e construir lembranças? O que desejamos da vida?

Hoje passei a manhã vendo notícias do temporal que aconteceu em Petrópolis, no dia 15 de fevereiro de 2022, e isso mexeu muito comigo. Não foi a primeira tragédia e, infelizmente, não será a última. Famílias destruídas, 58 mortos até o momento em que vi a reportagem e um número desconhecido de desaparecidos.

Pessoas voltando do trabalho, da escola, assistindo televisão em casa, fazendo uma atividade doméstica ou qualquer outra coisa cotidiana numa terça-feira comum e, de repente, ela é atingida por uma forte chuva e não existe mais. Nenhum de nós imagina uma morte assim, nenhum de nós quer passar por uma tragédia, mas nenhum de nós sabe quando chegará o fim. E, inevitavelmente, ele chegará.

Como já escreveu Bukowski, “todos morrem um dia, é simples matemática. Nada de novo. A espera é que é um problema.” De que maneira estamos esperando? O que estamos fazendo durante o intervalo? Se morrêssemos hoje, teríamos orgulho do que construímos? De que maneira seríamos lembrados?

Eu sei que diante da necessidade de lutar pela vida, sobretudo num país como o nosso, muitas pessoas não conseguem viver. Mas se você é uma das pessoas que pode, encontre uma brecha entre os compromissos, responsabilidades e obrigações para fazer coisas que te deem prazer, estar com pessoas que admira, criar momentos com quem você ama. Elogie as pessoas, diga eu te amo, compartilhe o que sabe.

Ninguém sabe quanto tempo ainda resta, mas no dia em que você não estiver mais aqui (e eu desejo que este dia demore bastante a chegar) não é dos momentos especiais que terão saudade, mas dos momentos simples e cotidianos que um dia compartilharam. Busque a sua felicidade. É sendo feliz que você fará feliz quem te ama. E aqueles que te amam lembrarão de você eternamente.

assinatura_GISELI

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